O Meio e o Si

Seu blog de variedades, do trivial ao existencial.

‘Sirviço’ carioca

taxista andersonbarros

Resido no exterior e cada vez que visito meu Rio de Janeiro consigo notar aspectos da cidade que mudaram, para melhor ou pior. Em minha última visita, saltou aos olhos o fato de que a qualidade dos serviços segue deteriorando em relação a outras principais cidades do país.

Foram precisos poucos minutos, ainda no aeroporto do Galeão, para o choque de realidade começar: banheiros sujos e mal cuidados, ar condicionado defeituoso, escadas rolantes paradas, funcionários despreparados para atender turistas estrangeiros. Em seguida, ao saber que minha mala havia sido extraviada, me dirigi à pessoa responsável por fazer o registro. O rapaz, cuja única função era justamente tomar nota das bagagens perdidas, disse com naturalidade que não tinha os formulários necessários, que “estavam trancados na salinha lá em cima e o cara que tem a chave ainda não chegou”. Após 40 minutos de espera até o “cara” chegar, na hora de preencher o formulário, o mesmo funcionário vira-se para mim: “você tem uma canetinha aí pra emprestar?”

Os taxistas cariocas também continuam surpreendendo. A impressão é que, no momento que entramos no carro, estamos na sala de visitas do sujeito, não em um ambiente de trabalho onde um serviço está sendo oferecido. Embora essa informalidade às vezes leve a conversas agradáveis, muitas vezes passa-se dos limites. O diálogo abaixo aconteceu de verdade, sem tirar nem por:

– Boa noite, amigo, vamos para o Baixo Gávea, por favor.

– Demorô. Pô, parcêro, tô cheio de fome… Rodando há mais 10 horas… Pior, neguinho só tá pagando de cartão! Eu lá quero cartão nessa m—-! Quero é dinheiro pa pagá as conta que tá vencendo…

– …

– Pô, parcêro, tá f—… Trânsito du c——… Vô ligá pra minha mulé.

– …

[Liga para a mulher no viva voz]

– Oi meu amô… tudo bem aí, meu amô?

– Oi Roberrrto, fala…

– Tudo bem, meu amô?

– Fala logo, Roberrrto…

– Ó, tô cansadão… Rodando faz tempão… Os f——– só qué pagá de cartão hoje…

– Sei…

– Tu já pagô a conta de gás, já pagô aê?

– Paguei não, Roberrrto… Depois a gente conversa.

– Ó, amô, quando eu chegar em casa hoje vai ter “Aladin”, hein!

[Olha para trás e me dá uma piscadinha]

– Ah não Roberrrto, tô cansada…

– Ah vai ter Aladin sim! Vai ter Aladiiin…

Dependendo do dia e do humor, situações como essa podem até ser encaradas na esportiva. Mas outras ineficiências não têm nada de cômicas. Por exemplo, ouvi relatos de amigos que levaram seus filhos na emergência de clínicas particulares e não puderam ser atendidos por falta de leitos (o drama dos hospitais públicos já conhecemos). Vi guardas de trânsito conversando tranquilamente enquanto carros fechavam cruzamentos, piorando ainda mais o engarrafamento de uma grande avenida. Ônibus furando o sinal no Cosme Velho, em frente a subida para o Cristo Redentor, quase atropelando um grupo de turistas. Trocador de ônibus fazendo o motorista e dezenas de pessoas esperarem enquanto entrava num boteco para comprar um sanduíche. Cinco funcionárias em uma loja me olhando com cara feia quando pedi ajuda, afinal estava interrompendo a conversa delas. O Papa preso no trânsito porque o Secretário de Transportes não sabia (!) por onde a comitiva passaria e não tomou as devidas providências. Peregrinos sem metrô porque faltou luz e sem ônibus porque faltou planejamento. Etc e etc.

Não quero parecer o expatriado chato, nem tenho como intuito diminuir minha cidade. Amo o Rio e acho que o carioca merece muito mais! Sem perder nossa informalidade e espontaneidade características, já passou da hora de exigirmos serviços de mais qualidade, a exemplo de São Paulo ou Curitiba, e a altura do que o Rio pretende ser.

De qualquer maneira, não vejo a hora de beber de novo um chopp com meus amigos no BG, jogar um futevôlei, mergulhar no mar de Ipanema, e tomar aquele açaí na tigela. Sem granola.

Ilustração: Anderson Barros

13 comentários em “‘Sirviço’ carioca

  1. rodriguesjr
    11 de setembro de 2013

    infelizmente, esse não é um problema só do Rio. eu gostaria de ver um pouco mais de profissionalismo em Fortaleza. :(((

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    • O Meio e o Si
      11 de setembro de 2013

      É verdade, Romulo. Talvez São Paulo e a região Sul sejam exceções?
      Abs

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      • rodriguesjr
        11 de setembro de 2013

        não conheço o sul, mas me falam bem dos serviços de lá. Sampa depende do local. serviços de taxi e hotelaria gostei muito. lojas e restaurantes gostei, mas tenho ressalvas quanto a alguns. já Jundiaí gostei deveras.

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  2. Irineu de Carvalho Filho
    27 de agosto de 2013

    Uns 20 anos atrás, eu peguei um ônibus de Botafogo para o Jardim Botânico, onde frequentava o IMPA para estudar no ar condicionado e tranquilidade. Quando estava perto da Humaitá, houve um acidente de trânsito e um motoqueiro foi decapitado. Ficamos parados por pelo menos meia hora no Rio 40 graus, mas eventualmente o ônibus passou, assim como a tarde com meus livros. No retorno ao Botafogo, surpreendentemente o trânsito novamente engarrafa perto da Humaitá. Depois de horas, o corpo do motoqueiro ainda estava no mesmo lugar. E viva o Rio.

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  3. José Augusto
    27 de agosto de 2013

    Muito bom, André!

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  4. Leticia Moreinos Schwartz
    26 de agosto de 2013

    oi Andre! Adorei seu blog! Sabe o que me faz pensar? Pois, vamos ficar por aqui mesmo (aqui meaning EUA)

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    • O Meio e o Si
      27 de agosto de 2013

      Oi Letícia, que bom que gostou!
      Esse conflito nunca é fácil… Apesar de todos os problemas temos uma ligação afetiva com o nosso Rio, não é? Mas o melhor é saber aproveitar sempre onde estamos – copo sempre meio cheio!
      Bjs

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  5. Fernando Carvalho
    26 de agosto de 2013

    Genial, esse texto sobre o “sirviço carioca”!
    Abs,
    Fernando

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  6. flavio
    26 de agosto de 2013

    Nao sei o que é pior, o comodismo ou o conformismo.
    Não há Aladin que faça mágica…

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