O Meio e o Si

Seu blog de variedades, do trivial ao existencial.

Românticos, desertores e camaleões

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Tendo morado cerca de um terço de minha vida no exterior, um dos debates que mais presenciei é o de expatriados que comparam o Brasil com os países (mais desenvolvidos) onde residem. Tom Jobim é autor da frase mais genial sobre o assunto: “Morar no exterior é bom mas é uma merda; morar no Brasil é uma merda mas é bom”. Trata-se de um brilhante resumo, mas a realidade é que a intensidade da “merda” e do “bom” depende muito da postura de cada um.

Pelo que tenho observado, existem três tipos extremos de expatriados: o romântico, o desertor, e o camaleão. Vamos a eles.

Para o romântico, visto de longe, o Brasil é o paraíso – a terra sagrada que “teve” que abandonar para fazer um curso, aceitar um trabalho, ou acompanhar a família. Os anos fora do país são um tormento. De que serve viver no primeiro mundo se não se pode comer feijão preto todo dia, passar na casa da tia Maria aos domingos, ou ir à roda de samba da praça não-sei-de-quê. Nada é mais importante que o “calor humano” do brasileiro, e a civilidade dos gringos não tem valor, afinal eles no fundo são frios e distantes além, claro, de não possuírem nosso fantástico “jogo de cintura”. O romântico não perde uma festa no restaurante brasileiro local, apesar de “não ser tão legal quanto as festas do Brasil”. Tende a esquecer os problemas e transtornos que enfrentava em nosso país, assim como ignorar os aspectos positivos do país onde reside. O amor ou obsessão pelo Brasil torna-se cegueira, que o impede de aproveitar o lugar onde mora.

Conheço inclusive diversos casos de românticos que, após passarem anos se queixando e sonhando em voltar ao Brasil, ao retornarem tiveram um choque. Deram-se conta de que perderam tempo (às vezes décadas) deixando de aproveitar em sua plenitude a vida que levavam no exterior, para então perceberem que a princesa de seus olhos não era nada daquilo. Viram-se na inesperada situação de não conseguir se readaptar ao Brasil: o feijão preto deixou de ser prioridade; a tia Maria, tinha esquecido, na verdade é meio chata; o calor humano às vezes confunde-se com inconveniência; o jogo de cintura se parece mais com aproveitamento e malandragem. Por sua vez, as vantagens da terra estrangeira, que antes passavam despercebidas, são reconhecidas tardiamente.

Outro extremo é o desertor. Esse é aquele que, após sair do Brasil, acha tudo que vem da terrinha ruim, bagunçado e inferior. Tende a aumentar e dramatizar as coisas. Por exemplo, constantemente diz não entender como os brasileiros conseguem viver com “tanta violência” ou “tanta corrupção”, esquecendo-se que vivia no país até pouco e, bem ou mal, é possível sim viver e ser feliz em meio a nossa desordem. Ri quando um filme brasileiro é cogitado a concorrer ao Oscar, apesar de não tê-lo visto. Qualquer notícia ruim é motivo para dizer que “esse país é uma palhaçada”, mesmo sem procurar se informar sobre a questão. Não sabe nem quer saber quem ganhou o campeonato brasileiro ou qual artista está em voga. Não sente falta das praias porque “no Brasil é tudo poluído”. Reclama quando tem que visitar a família no Brasil (uma vez a cada dois anos) e expor seus pobres filhinhos (que nem falam mais o português) àquela poluição e trânsito terríveis. Quando perguntados de onde são, respondem “I’m originally from Brazil”, deixando claro que a pátria de sua escolha é a atual, o Brasil foi apenas o ponto de partida, um acidente de percurso antes de subir aos céus do mundo desenvolvido.

O terceiro tipo, o camaleão, é aquele que mais facilmente se adapta ao local onde está, mas sem perder sua brasilidade. A comparação entre países, além de ser feita com menos frequência, acontece de forma mais equilibrada e isenta. Procura deixar julgamentos passionais o mais de lado possível. Quando perguntado se prefere morar no Brasil ou no exterior, a resposta raramente é um ou outro, mas uma análise mais balanceada dos prós e contras de cada lugar. O camaleão tende a olhar o copo meio-cheio, não meio-vazio. Procura focar nos aspectos positivos de onde reside e relevar ao máximo os negativos. Tem saudade do açaí, mas também adora uma Guinness. Gosta de surfar na praia da Barra, mas se diverte igualmente esquiando. Torce à distância pelo seu time de futebol, enquanto acompanha também os esportes e times locais. Faz espontaneamente amizades com outros brasileiros expatriados, mas não usa isso como critério seletivo.

Naturalmente, existem diferentes graus de românticos, desertores e camaleões, assim como pontos intermediários. Ademais, o mesmo expatriado pode passar por diversas fases. No entanto, aproximar-se o máximo possível do camaleão é a meu ver algo desejável. Trata-se de um estado de espírito, uma postura que torna a vida do expatriado mais bem resolvida. Alguns são camaleões natos, outros podem chegar lá através de conscientização e vivência. Salvo situações extremas, é possível nos condicionarmos a controlar o peso que damos ao que é bom e o que é ruim. Dessa forma, aproveitamos o que o novo país nos oferece sem perdermos a essência tupiniquim.

Ainda sobre o tema “expatriados”, leia Aproximados pela DistânciaFoto: fonte desconhecida (Google Images).

35 comentários em “Românticos, desertores e camaleões

  1. Pingback: Desabafo de uma carioca em Toronto | O Meio e o Si

  2. Miriam
    21 de janeiro de 2014

    gostei muito do texto, mora na Suiça há dez anos e conheço quase todos os tipos citados. Sou de acordo com o tipo camaleão e tento, como no texto, ver o meu copo sempre meio-cheio,não sofro por viver longe do Brasil, mas não esqueço os aspectos positivos (e tb negativos) da nossa terrinha. Adoro a Suiça com suas qualidades e defeitos. Vc tem que fazer a escolha: viver 100% aqui e se adptar ou viver pelos cantos chorando de saudades daquele que não é mais possivel, eu escolhi viver aqui!!!
    Falo português com os meus filhos, ensino a eles a felixibilidade brasileira, a pontualidade suiça…adoro a mistura das duas culturas.

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  3. Pingback: Aproximados pela distância | O Meio e o Si

  4. lnfariasLucy
    18 de janeiro de 2014

    Adorei, moro nos USA a 3 anos e sou uma fêmea camaleão nata… adorei o texto!! Obrigado…

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    • O Meio e o Si
      18 de janeiro de 2014

      Obrigado a você! Volte sempre… e se quiser acompanhar novos posts curta nossa página no Facebook. Abs.

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  5. INDAIÁ
    18 de janeiro de 2014

    Oi André! Adorei o artigo. Moro a 22 anos fora do Brasil e quando saí já era camaleoa, me adapto a qualquer meio com facilidade. Nao gosto de críticas sobre o Brasil e nem sobre outro país, todos tem suas coisas boas e ruins. Sempre digo aos amigos que nao faço comparacoes que se tem que aproveitar de tudo o que nos oferece um e outro país. Eu qdo chego no Brasil como de tudo com um prazer imenso…vou de trem pra praia, de van pro pagode, subo a favela a pé para ver os amigos e depois vou jantar em algum restaurante caro da Barra da Tijuca com outros amigos. As segundas no Rena e as quartas no Império Serrano, sem falar no meu querido Salgueiro e nos demás pagodes kkkkkkkkkk. Qdo volto pra Barcelona esqueço um pouco do paraíso e entro no Éden kkkkkkk pego meu carrao, limpo meu maravilhoso apartamento telefono para os amigos espanhois e marco uma janta para saber como foi as férias de cada um…isso é viver!!! Quando morava no Brasil ralava pra burro, aqui em Barcelona trabalho mais que uma negra, tenho amigos maravilhosos aqui e ali. Prefiro viver vendo o que existe de bom em todos os lados do que viver reclamando. Adoro o que você escreve e estou de pleno acordo com tudo o que você colocou no artigo pk vejo isso a cada momento. Bjs

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  6. Roberta
    14 de janeiro de 2014

    Morei 3 anos em Barcelona e estou morando ha 2 meses na Suiça. As pessoas me perguntam se não é uma mudança muito radical, mas como postei a poucos dias no facebook, é preciso se adaptar.
    Com algumas modificações: Tem saudade do mate, mas também adora uma Guinness. Gosta de ir à praia da Barra, mas se diverte igualmente esquiando. Torce à distância pelo seu time de futebol (Mengão), enquanto acompanha também os esportes e times locais (Barça).
    Qualquer semelhança é mera coincidência! camaleoa! eu já sabia… rs….
    Mas, tenho meus dias de ‘romantica’ tb…
    Parabéns, André. Muito bom o texto!

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    • O Meio e o Si
      14 de janeiro de 2014

      Obrigado, Roberta! Camaleoa mesmo… E acho praticamente impossível alguém nunca ter recaídas românticas, ainda mais se vc for carioca!
      Saudações rubro-negras e volte sempre!

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  7. Christine Marote
    13 de janeiro de 2014

    Olá André, parabéns pelo texto e vou ler os outros textos, como o que recomendou para a Ana Cristina. Também contribuo para o Brasileiras pelo Mundo e tenho meu próprio blog. Como a minha realidade é um pouco diferente de quem vive na Europa, acho muito interessante esse tipo de análise. Vivo na China e tenho meus altos e baixo de romântica e desertora sim…rs Mas me consideromais como camaleão. Sempre escrevo que tenho os dias ‘bad China’ e os dias que fico ‘de mal com o Brasil’… mas de um modo geral é muito mais fácil ter parâmentros de comparação entre a China e o Brasil, do que a Alemanha e o Brasil por exemplo. A realidade da maioria dos países europeus é bem diferente do Brasil e da China, e ainda vou defender uma tese que os chineses e brasileiros tem um essência muito sememlhante…rs.
    Agora, depois de passar a conviver com o grupo do ‘Brasileiras pelo mundo’, cheguei a conclusão que as dificuldades de adaptação são muito parecidas num primeiro momento, a lingua, os costumes, a saudades da comida brasileira, independente de onde possamos estar vivendo. Dentro do meu olhar, o que difere a facilidade ou não de adaptação é realmente a postura de cada um. Conheço brasileiros que só convivem com brasileiros aqui, e outros que se ouvem alguém falando português, trocam de mesa num restaurante…rs Vai saber quem está certo, né?
    Abraço e , mais uma vez, parabéns!

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    • O Meio e o Si
      13 de janeiro de 2014

      Sua perspectiva é interessante pois a China é um país também em desenvolvimento e com um sistema político e econômico bem complicado. Uma cultura muito diferente da ocidental também. Os sentimentos aí devem ser mais complexos ainda… Quem sabe assunto para um outro post!
      Obrigado e volte sempre!

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  8. Ana Carina
    12 de janeiro de 2014

    André, adorei o texto, também sou uma expatriada e também escrevo para o Brasileiras pelo Mundo.
    Parabéns e cois boa a gente compratilha tipo o seu texto!!
    Sucesso!!

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  9. Andrei
    12 de janeiro de 2014

    Confesso que era um desertor (de grau médio) e após 3 anos estou virado numa misturinha dos 3.. eu nao voltaria ao Brasil tão cedo, pois penso que ainda tenho muito o que ver e viver.
    Quem mora fora do Brasil conhece muitos Brasileiros que as vezes fazem passar vergonha… acoes e comentarios de baixa qualidade, que da vergonha mesmo!
    Acaba virando desertor por algumas dessas ações. Mas com o tempo vi que não é por causa de certas pessoas (no meu caso a grande maioria que conheci…) que deveria me sentir envergonhado de ser brasileiro. Foi assim que mudei minha forma de ver as coisas. Não nego que sou brasileiro, vivo fora a 3 anos, por enquanto nao penso em voltar de vez… mas tem muita coisa boa no Brasil. Penso que fora ainda é melhor pra se viver, mas nunca se sabe, quando vou voltar ;P

    Parabens ao texto

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    • O Meio e o Si
      12 de janeiro de 2014

      Obrigado, Andrei. Realmente é comum passarmos pelas 3 fases ou simplesmente sermos uma mistura mesmo. Abs e volte sempre!

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  10. Almir Jr
    12 de janeiro de 2014

    Moro com minha esposa e filho oito anos e meio no Canada. Desde este tempo estivemos uma ùnica vez no Brasil. Quando là estivemos perguntaram-nos se voltarìamos, olhei para a minha esposa e depois a pessoa que me fêz a pegunta e disse-lhe que minha esposa era um verdadeiro galanguinho. Jà havia pedido uma cauda do Cearà para Sâo Paulo (onde moramos por treze anos) e agora uma outra no pais que adotamos para viver. Meu filho tinha so seis anos quando chegamos, entâo para ele tudo foi mais suave. Quanto a mim, tinha o apelido de guaxinim entre os amigos. Continuo sendo o mesmo animal, talvez agora so mais peludo devido ao frio e com tons mais prateados pelo tempo.

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  11. ackolb
    12 de janeiro de 2014

    Oi André, gostei muito do seu texto!
    Parabens pelo estilo de escrever pela objetividade e pelo conteúdo que é com certeza de muita utilidade no processo de se conscientizar do que realmente significa ser um expatriado. Posso não somente me identificar com as categorias que voce mencionou, mas diria que são fases, no inicio passamos pela fases, assim como nos relacionamentos amorosos de primeiro grau, primeiro vem o romance, onde tudo é rosas, o momento da verdade da rotina e do dia a dia que nos é o momento decisivo, onde a maior parte dos relacionamentos acabam, e aqueles que sobrevivem, passam a fase camaleão. Acredito também que a fase cameleão, sendo a fase adulta, madura, estável do relacionamento amoroso, não exclui momentos românticos e momentos de desertor!!!! rsrsrsr mas é isto aí, muito bom quando chegamos a fase camaleão, é aih onde tiramos realmente proveito da riqueza de ser multicultural, ser cosmopolita, amar o Brasil não exclui amar outro pais, ou vice-versa. E o amor não precisa cegar ninguém também, podemos amar e mesmo assim ter uma visão objetiva e mesmo subjetiva de cada vivência de cada pais! Parabens! Vou partilhar seu post nas minhas rodas de comunidades internacionais também através do facebook! Escrevo pra um blog muito legal “Brasileiras pelo Mundo”e trabalho com a comunidade brasileira de negócios na Europa, entre outros! Namasté!

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    • O Meio e o Si
      12 de janeiro de 2014

      Olá Ana. Interessante sua análise! Que bom que gostou do post e obrigado por compartilhar o link do meu post no seu blog e outras redes! Aliás, conheço o blog das brasileiras pelo mundo e é bem legal mesmo. Dê uma olhada no post “De três em três” e outros posts daqui, acho que tem mais coisa que pode te interessar.
      Abraços, A.

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  12. Lenilce Torres
    11 de janeiro de 2014

    Boa gostei, parabéns

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  13. Carla Cristina Daher
    11 de janeiro de 2014

    Muito boa a matéria !

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  14. Leticia Moreinos Schwartz
    10 de janeiro de 2014

    Amei Andre! Otimo mesmo! Viva o camaleao!

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  15. Marcos
    10 de janeiro de 2014

    Morei 2 anos na Inglaterra e foi marinheiro de primeira viagem. Mas confesso que sempre fui muito positivo e nunca fui de julgar nada e ninguem sempre analiso pos e contras e claro sempre aproveito o maximo dos pontos positivos e foco, com isso aprendi ingles bem rapido. Agora estou a 1 ano na Alemanha e utilizei basicamente as mesmas estrategias para aprender o idioma. Com isso acho que me enquadro no camaleão. Exelente seu texto!

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    • O Meio e o Si
      10 de janeiro de 2014

      Marcos, você sem dúvida é um camaleão nato! Parabéns! Mas com o passar dos anos, não se surpreenda se tiver fases “românticas”… faz parte.
      Abraços.

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  16. Anderson Goebel
    10 de janeiro de 2014

    Excelente texto! Parabéns!
    Vivo faz 3 anos na Alemanha e confesso que meus pensamentos flutuam entre os três perfis, dependendo sempre do grau de estresse que se enfrenta para adaptação no novo ambiente. Na maioria do tempo, “camaleão”. Sem dúvida o mais lógico e saudável. Mas tem vezes que o “romântico” pega de jeito.
    Abcs

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    • O Meio e o Si
      10 de janeiro de 2014

      Oi Anderson,
      Obrigado! Eu também já transitei por diferentes partes do “triângulo”. Mas vale a pena se condicionar a ser o mais camaleão possível.
      Abs e volte sempre!

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  17. Clovis
    9 de janeiro de 2014

    Muito bom Andre. E salve o camaleao. Abraco

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Publicado às 9 de janeiro de 2014 por em FILOSOFIA & INDIVÍDUO, SOCIEDADE & POLÍTICA e marcado , , , , , .

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