Donald Trump cresceu como um tumor dentro da democracia americana. Embora saibamos que nenhum sistema democrático é perfeito, deixando espaço para o surgimento de todo tipo de político, Trump representa uma aberração sem precedentes nos EUA. Sua postura afronta valores fundamentais garantidos pela constituição americana, tais como a liberdade de religião e expressão. Sua ascensão nos lembra que não existe Zeitgeist forte o suficiente para proteger a sociedade de decisões irresponsáveis por parte de parcela significativa da população.
Trata-se de um personagem tão absurdo que, por motivo incompreensível e assustador, o país resolveu julgá-lo através de lentes “especiais”. São dois pesos e duas medidas: Trump is Trump. Qualquer outro candidato na história do país teria sido execrado sem piedade pela opinião pública com 1% das loucuras que disse e fez. Mas no seu caso tudo parece ser justificável pelo fato de ele ao menos ser “autêntico”, de falar o que pensa, como se isso por si só bastasse como qualidade em um líder – ou qualquer pessoa.
Trump demonstra simpatia por regimes como o de Vladimir Putin, na Rússia, e até por Saddam Hussein. Se contradiz ao criticar empresários que usam fornecedores chineses ao invés de americanos, quando faz o mesmo em suas empresas. Seu discurso é tão mentiroso, inventando estatísticas e anedotas que o favoreçam, que seus seguidores aparentemente desistiram de checar os fatos e absorvem sua retórica aos aplausos, como zumbis tolos. Não existe falcatrua ou associação semimafiosa que descubram sobre Trump que abale sua base. Por exemplo, já se sabe que seu “império” não é nem de perto tão bem sucedido como ele o vende, que inclui diversos negócios mal administrados e até desonestos, como a infame Trump University. Nada o enfraquece.
À sua maneira infantiloide e brucutu, conseguiu chegar à nomeação pelo Partido Republicano, apesar de haver ofendido praticamente todos os grupos demográficos possíveis no processo: hispânicos, mulheres, negros, deficientes físicos, militares, muçulmanos, entre outros. Ninguém se dispõe a entender como pretende executar suas ideias esquizofrênicas, como construir um muro ao longo da fronteira com o México, deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, e impedir que muçulmanos entrem nos EUA. Chegou onde chegou sem nenhuma proposta concreta para resolver problemas críticos tanto de ordem interna, como a desigualdade social, quanto externa, como a ameaça do terrorismo. Apoia-se na proliferação do medo e da insegurança. Sua postura assemelha-se, sem exageros, à de déspotas como Mussolini e Hitler quando apareceram no cenário público.
Não obstante, em pleno 2016 nos vemos diante dessa situação alarmante. Da mesma forma como no futebol a Islândia foi avançando na Eurocopa, Trump foi chegando sem que ninguém o levasse muito a sério, mas com duas diferenças fundamentais. Primeiro, Trump chegou à final, a Islândia não. E numa final tudo pode acontecer. Com os altos níveis de rejeição que possui, Hillary Clinton encontra-se sempre vulnerável a novos escândalos ou escorregadas que provoquem a perda de preciosos pontos junto aos eleitores indecisos. Sabe-se lá o que pode ocorrer num debate ou numa campanha suja como a que Trump deve fazer. Segundo, enquanto a Islândia jogou limpo e cativou a simpatia de todos, Trump chegou jogando sujo, manipulando dados, destorcendo fatos, bullying adversários, gerando desunião e ressentimento.
Espero que em novembro olhemos para trás com alívio, rindo do absurdo que foi deixar esse lunático chegar tão perto do cargo mais influente e poderoso do mundo. Anseio que tudo isso tenha sido apenas um deslize quase-catastrófico, que sirva para tirarmos lições positivas que só venham a fortalecer a democracia, tanto nos EUA quanto no resto do mundo. No entanto, se o cenário for outro, temo pelo maior nível de instabilidade global das últimas décadas.
Ótimo texto e ideias.
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Obrigado! Volte sempre.
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o real é racional…sempre. Hitler, Stalin ou Trump só vivem em um mundo que o aceita e deseja,,,
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Excelente texto. Engraçado como ao conversar com algumas pessoas que vivem nos Estados Unidos, mesmo contrárias à Trump, não se dão conta das barbaridades que ele fala e nem quão raso é seu discurso. Ou nós aqui do outro lado do muro estamos muito enganados, ou veremos os EUA em grande apuros…
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Você tem toda a razão. Mas acho que todas a pessoas minimamente sensatas nos EUA – americanos ou não – vêem que se trata de um louco. Abs.
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Muito bom o artigo.âAbs, José Augusto
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Obrigado! Abraços.
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