O Meio e o Si

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Sobre o Rio, nós, e o valor da vida

violencia rio lagoa

Ontem tive, novamente, a tristeza de ler uma notícia sobre morte por violência no Rio. Um homem foi esfaqueado covardemente enquanto andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Nas mídias sociais, tenho visto muitas manifestações de revolta e consternação. No entanto, nessas horas surgem também comentários repreendedores às manifestações de revolta (!), numa espécie de culpa pequeno-burguesa.

Por exemplo, vejo alguns questionando o porquê de aparentemente não nos revoltarmos igualmente com outros atos de violência, como um menino que foi morto pela polícia no bairro da Ilha do Governador, ou mortes por bala perdida em favelas. Afinal, perguntam, porque a vida de alguém da classe média da Zona Sul “vale mais” do que a de outra pessoa, em outro bairro?

Embora respeite as relativas boas intenções desse tipo de comentário, e concorde fundamentalmente que nenhuma vida “vale” mais que outra, trata-se de uma visão míope e inocente da situação. Criticar um morador da Zona Sul por se abalar mais com um evento ocorrido na Lagoa do que com um na Ilha do Governador é ignorar a importantíssima e inevitável questão da identificação. Identificar-se mais com uma tragédia em seu entorno é uma reação natural do ser humano e que não deve ser condenada. Todos que moramos na Zona Sul já pedalamos ou caminhamos na Lagoa. Trata-se de um cenário que faz parte da nossa realidade cotidiana.

Para entender mais o ponto, pense o seguinte. Qual seria sua reação caso um vizinho fosse assassinado no seu edifício numa tentativa de assalto? Essa situação representaria estresse e trauma que possivelmente durariam semanas, senão mais. Agora, adicione o fato de que ao mesmo tempo em que seu vizinho foi assassinado, um rapaz inocente foi morto numa troca de tiros entre policiais e bandidos numa comunidade no interior do Rio. Você ouve a notícia no rádio a caminho do trabalho. Qual morte te abala mais? Qual incidente estará no seu pensamento daqui a alguns meses, possivelmente ainda tirando o seu sono?

Inclusive, da mesma maneira, as pessoas na Ilha do Governador ou na comunidade onde o (não tão) hipotético rapaz foi morto, certamente estão mais preocupadas e revoltadas com suas relativas tragédias do que com a da Lagoa. Ninguém os condena por isso. E não deve.

Aos que ainda não estão convencidos, vamos estender um pouco mais o contexto. Por que nos limitarmos ao Brasil? As mesmas pessoas que se mostram indignadas pelo silêncio dos amigos frente outras tragédias pelo Rio de Janeiro ou Brasil, calam-se em relação a  outras mundo afora. Que tal o fato de que milhares de refugiados morrem todos os dias, em situações precárias, em acampamentos pelo mundo? Que mulheres e crianças são subjugadas e mortas por grupos extremistas em diversos países da África e Oriente Médio? Afinal, como parte da Humanidade, somos menos responsáveis por esse tipo de tragédia longínqua?

Qual o limite da nossa empatia, ética e dever cívico? Nosso bairro? Cidade? País? Edifício? Família e amigos? Cinco quilômetros? Cinco mil? O mundo? Os animais também, o meio ambiente? A conversa é a mesma.

Toda vida é valiosa e precisamos evoluir como espécie e indivíduos, promovendo empatia, compaixão e responsabilidade. Viveremos num mundo melhor quando atingirmos o ponto onde cada pessoa se sinta responsável por uma criança que morre de fome do outro lado do mundo. Mas trata-se de um trabalho longo e quase utópico. No processo, não ganhamos nada em apontar o dedo para os que se chocam com as barbáries que mais afetam seu dia-a-dia.

Leia também Nem Tudo É Possível: Feliz 2015! Imagem: wired.com

2 comentários em “Sobre o Rio, nós, e o valor da vida

  1. Ludmila
    14 de março de 2016

    Aqui cabe o pensamento de John Donne, “nenhum home é uma ilha”, é utópico claro…mas temos que ter esperança.

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  2. Nada Surpreso
    20 de maio de 2015

    Muito verdade. Identifical;ao sempre foi questáo de conveniencia. Se ele nao tivesse morrido nem seria noticia, assim como outros tantos náo estao sendo noticias neste momento. Lastiam de cidade, pais, governantes e governados.

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