Frequentemente ouço pessoas dizerem, até com certo orgulho, que não têm mais tempo ou interesse em ler ficção, literatura. Hoje em dia só lêem livros “práticos” e “informativos”, que vão direto ao ponto. Quer aprender história? Busque um livro que apresente as datas e acontecimentos relevantes, de forma clara e objetiva. Quer entender a economia de um país? Leia textos técnicos sobre o tema. Quer melhorar sua postura diante da vida? Compre livros de auto-ajuda. Quer compreender o amor e os relacionamentos? Veja o último lançamento da especialista Doutora Fulana-de-Tal.
O que não percebem é que as nuanças da vida são capturadas pela ficção. Em qualquer dos temas acima, e outros, as questões são sempre mais complexas e multi-dimensionais do que parecem. Um bom exemplo é a História. Sempre gostei de ler livros documentais, por exemplo, sobre a Guerra Civil Espanhola e as duas guerras mundiais. Aprendi a cronologia, as principais batalhas, os números, os líderes, e assim por diante. Mas só fui minimamente entender essas guerras e seus efeitos sobre as pessoas, quando li por exemplo romances de Camilo José Cela, Ernst Hemingway e Elie Weisel. Também havia lido bastante não-ficção sobre regimes autoritários latino-americanos, mas só pude internalizar um pouco dos horrores de um sistema como esse ao ler “A Festa do Bode”, de Mario Vargas Llosa.
A literatura tem enorme poder transformador – externo e interno. Ayn Rand criou uma nova corrente de conservadorismo econômico através de seus personagens. George Orwell nos faz pensar até hoje sobre nossa relação com o Estado e quem nos controla. Jean-Paul Sartre nos remete a questionar e buscar entender nossa essência. Gabriel Garcia Marquez redefiniu o conceito de amar. Clarice Lispector torna-se uma companheira de angústias. Charles Bukowsky nos coloca dentro do sofrimento de um boêmio amargurado. Mia Couto nos oferece novas lentes para enxergar a vida.
O romance é mais flexível que a não-ficção. Desenvolve o jogo de cintura do leitor. Nos permite navegar pelo lado íntimo e pessoal dos acontecimentos, aguçando a sensibilidade. Ao invés de simplesmente nos apresentar fatos ou opiniões, através de estórias e personagens nos dá elementos para entender uma época, uma questão, uma realidade. O que fazemos com esses elementos – ou ferramentas – cabe a cada um. Inclusive, a mesma pessoa pode ler um romance mais de uma vez e interpretá-lo de maneira diferente, dependendo do momento que vive. A ficção é dinâmica, evolui com o leitor.
Não me entendam mal, adoro não-ficção e estou sempre lendo uma. No entanto, para ter uma visão mais profunda e visceral de certos assuntos, sempre que possível procuro complementar com romances. Mergulhando em personagens, humanizamos as experiências. Por sua vez, tendo também lido não-ficção sobre o mesmo tema ou época, melhor ainda, pois conseguimos contextualizar a estória e o círculo se fecha. Certa vez escutei uma frase muito interessante (com pequena adaptação minha): “Se quer aprender a história dos correios, leia sobre a estória de uma carta”.
Quando decidi escrever meu primeiro livro, a grande dúvida era sobre a melhor forma de apresentar minhas idéias e visões. Decidi por um romance. Acho que foi a decisão acertada, até porque cada vez que o releio ou converso com alguém que o leu, descubro um ângulo novo em que eu nem havia pensado quando escrevi.
Foto: Royalty-Free/Corbis.
Obrigada pelo “Ernst Hemingway” não consegui nem terminar de ler o texto.
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“O mundo de Sofia” e “A fórmula de deus” são ótimos exemplos de romances que enriquecem a visão em determinados assuntos, o primeiro narra a história da filosofia e do conhecimento humano enquanto o segundo nos leva a uma verdadeira viagem ao mundo da ciência, fantásticos.
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Belas dicas! Ótimo receber comentários de leitores como você. Você leu o livro “O Meio e o Si”, que deu originem ao blog? Acho que vai gostar… https://omeioeosi.com/sobre-o-livro/ Abs.
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Excelente texto! Concordo plenamente com o autor. Por experiência própria, aprofundei muitos assuntos e preenchi muitas lacunas através da ficção. Não dispenso uma boa ficção. Parabéns!
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Obrigado, Delcira! Volte sempre!
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