Um aspecto fascinante da cultura americana é a tradição da comédia stand-up. O indivíduo no palco, com apenas o microfone à mão, tem carta branca para dizer (praticamente) o que quiser. O stand-up é um dos maiores representantes do direito à liberdade de expressão da sociedade norte-americana. Os temas mais polêmicos e politicamente incorretos são aceitos em nome de uma boa piada, o que torna essa forma de manifestação não apenas entretenimento mas, também, veículo de crítica, filosofia e formação de opinião.
Diferente de outros espetáculos e tradições americanas, como shows da Broadway, filmes de Hollywood ou a Disney World, o stand-up é minimalista e discreto. O culto é à palavra, ao argumento, ao conteúdo, não à alegoria. Não existe efeito especial, superprodução, edição. É o indivíduo e sua retórica, nua e crua. O stand-up é praticado desde em pequenos joints ou bares que se multiplicam em cidades de todos os tamanhos, até grandes casas de espetáculos e estádios, como o Madison Square Garden, em Nova Iorque.
A figura do comediante stand-up assemelha-se ao mesmo tempo à do bobo da corte, que usava o humor para falar as verdades mais duras, e à do palhaço, que apesar de provocar risos traz bagagem de melancolia e solidão. Todos os que sobem ao palco estão sujeitos ao constrangimento de um silêncio ao fim de uma piada ou até uma vaia após uma colocação mal feita. O filme que melhor retrata essa realidade é o Comedian, produzido por Jerry Seinfeld. Nele fica claro que, além das risadas, enorme tensão e isolamento acompanham a profissão.
Vale citar alguns dos grandes do stand-up americano. George Carlin, considerado por alguns o maior de todos, usava textos alfinetados e sarcásticos para criticar o “American way of life” e a religião. Chris Rock, por sua vez, usa o humor para falar de temas raciais considerados delicados. Bill Maher, que também é comentarista político, não se inibe em ridicularizar presidentes, senadores e celebridades, e não se vê na obrigação de respeitar religião. Bill Hicks, principalmente no fim da carreira, tinha uma visão sombria da vida e a expressava através de textos filosoficamente mórbidos. Outros simplesmente se concentram na piada, de forma mais despretensiosa, transformando em humor os detalhes do dia-a-dia, como Jerry Seinfeld e, de maneira mais agressiva, Bill Burr e o brilhante Louis CK. É interessante lembrar também que diversos atores consagrados começaram no stand-up ou o praticam até hoje, incluindo: Woody Allen, Steve Martin, Robin Williams, Will Farrell e Jim Carrey.
No Brasil, o stand-up ainda é incipiente, apesar do recente boom. Alguns comediantes se destacam, como Rafinha Bastos, Diogo Portugal, Danilo Gentili, Marcelo Adnet e Eduardo Sterblitch, mas não existe ainda uma cultura que permita as liberdades de expressão necessárias ao crescimento dessa arte. A modalidade é inibida por um público não tão acostumado quanto o americano a unir polêmica e comédia. Exemplo disso são as duras críticas e até processos (!) levantados contra comediantes por suas piadas, como no caso de Sandy contra Rafinha Bastos. Acima de tudo, o stand-up é inibido por uma sociedade que, embora seja considerada liberal em certos aspectos, permanece conservadora quando o assunto é rir do próprio umbigo.
Ninguém falou do Ary Toledo, com suas piadas escatológicas. Aquilo que ele faz não é stand porque ele faz seu show sentado? Ótimo texto.
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Bom ponto. Honestamente não conheço bem o trabalho do Ary Toledo, mas obrigado pelo registro! Abs.
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Incipiente se desprezarmos o grande Chico Anysio, pioneiro no Stand Up Comedy brazuca.. E há decadas…
Alem de um genio inquestionavel no humor, foi um visionário.
Gostei do texto! Infelizmente, o humor atual ganhou como seu maior crítico e censor o “politicamente correto”
Abs
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Flavio,
Não sabia que o Chico Anysio havia feito stand-up per se, obrigado pela informação. Mas de qualquer maneira, mesmo com ele, o movimento como um todo é incipiente. E você tem razão, o “politicamente correto” prejudica muito. Um exemplo é o fato de o Rafinha Bastos já ter sido processado por uma piada!
Abs
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