O Meio e o Si

Seu blog de variedades, do trivial ao existencial.

Filhos do tempo

pai e filho paternidade maternidade

Estava assistindo à aula de natação de meu filho de três anos. Havia apenas ele e o professor na piscina além de dois senhores nadando nas outras raias. A cada pequena vitória, como um mergulho ou uma batida de perna afobada, ele olhava para mim e eu fazia um sinal de aprovação, recebendo um lindo sorriso de volta. Um dos senhores interrompeu seu exercício e ficou parado na piscina nos observando. Finalmente virou-se para mim e iniciou a conversa:

– “Aproveite, pois isso tudo passa rápido…” disse em tom melancólico.

– “Sim, é o que todos dizem…” repliquei.

Percebi um olhar de tristeza em seu rosto e após alguns segundos ele prosseguiu:

– “Aproveite antes que seja tarde.”

– “Nunca é tarde!” respondi, tentando animar um pouco a conversa.

– “Que nada… Meu filho hoje é um marmanjo, mora em outra cidade, quase não nos falamos. E enquanto era pequeno e tinha ele por perto nunca fazia isso que você está fazendo… Eu devia ter sido mais como você. Agora já passou. Aproveita, meu filho.”

Ele finalmente saiu da piscina, deu uma última olhada visivelmente emocionada para meu filho, despediu-se de mim com um sorriso bucólico, e foi cabisbaixo para o vestiário.

É claro que é impossível saber o que se passava na vida desse senhor há 20 ou 30 anos e seus motivos para a falta de atenção ao filho. Pode ser que tivesse um trabalho que exigia muitas viagens; ou quem sabe viviam apertados e por isso tinha que trabalhar dia e noite; ou simplesmente foi um pai negligente e distante, sem maiores motivos além de não ter paciência com crianças ou querer aturar adolescentes. Sabe-se lá. Mas a situação me fez refletir sobre nossas prioridades e como usamos nosso tempo.

No mundo corrido e super-conectado de hoje é muito fácil cairmos na cilada de entrar num ritmo onde pouco tempo de qualidade é passado com nossos filhos. Entramos e saímos correndo de casa com smartphones à mão, checando email, postando fotos no Instagram, vendo nosso mural no Facebook, lendo as notícias do dia. Nossos filhos, se já não estão vidrados nos mesmos gadgets, passam bom tempo na frente da TV, o que, verdade seja dita, nos dá um bom descanso.

No Brasil, temos ainda o “agravante” da ajuda das babás que, apesar de por vezes essencial, é em muitos casos exagerada. Vejo pais que nunca trocaram uma fralda, deram um banho ou jantar para seus filhos. Não os pegam na escola, nem levam ao futebol ou à ginástica. Tudo terceirizado para a babá. Algumas famílias até incluem as ajudantes em programas de fim de semana, incapazes de cuidar de seus filhos durante a ida ao clube, caminhada na praia, teatro, aniversários e viagens. Parte do vínculo que desenvolvemos com nossos filhos é justamente através desses momentos cotidianos.

Por mais ocupados que sejam, convido todos a fazer a seguinte reflexão. Será mesmo que não é possível se organizar para que, uma vez na semana que seja, levem ou busquem seus filhos na escola? Realmente não tem tempo para, durante meros quinze minutinhos à noite, desligar a TV e deixar o iPhone de lado para desenhar com seu filho, montar um quebra-cabeças, ou descer ao playground para bater uma bolinha? É realmente necessário que a babá o coloque para dormir todas as noites, ou será que você poderia deixar o Jornal Nacional ou a novela de lado de vez em quando para ler um livro na cama antes de ele adormecer? Como muitas outras coisas na vida, isso tudo pode exigir disciplina, afinal nem sempre é fácil quebrar seu ritmo e entrar na frequência de uma criança. Mas o retorno é incalculável.

Naturalmente não existe resposta certa ou errada para esse tipo de perguntas. Cada um tem suas prioridades e a intenção não é julgar as pessoas por suas escolhas, apenas estimular a auto-reflexão. Ao mesmo tempo, tenho que dizer que não desejo para ninguém o olhar derrotado daquele senhor ao sair da piscina.

Veja também De três em três. Foto de Mike Baird.

11 comentários em “Filhos do tempo

  1. Pingback: De volta ao presente: a viagem da meditação secular | O Meio e o Si

  2. Liana
    26 de junho de 2014

    Parabens, André!
    Ótima reflexão. Feliz de quem tem um pai com essa tua consciência! Abs!

    Curtir

  3. Miriam
    6 de maio de 2014

    concordo!!

    Curtir

  4. euseionde
    5 de maio de 2014

    Adorei Andre. Compartilhando. bjs

    Curtir

  5. Ledzepilintra
    3 de maio de 2014

    – Papai?!
    – Agora não, filho…

    15 anos depois:

    – Filho.?!
    -Agora não, pai.!

    Curtir

  6. Jose Augusto Carvalho
    2 de maio de 2014

    Muito bom!

    Curtir

Deixe um comentário

Digite seu endereço de email para acompanhar este blog e receber notificações de novos posts por email.

Junte-se a 211 outros assinantes

Siga no Twitter